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Libertadores e Cinema: A Noite em que o Futebol Dominou Canoa Quebrada

Por Redação FutVitória em 30/11/2025 19:03

Na praça central de Canoa Quebrada, pitoresca praia do município cearense de Aracati, um coro de jovens proclamava "É campeão!", enquanto uma plateia dispersa se esforçava para concentrar-se nas projeções de curtas-metragens latino-americanos. Embora o protocolo do evento tivesse considerado aguardar o desfecho da partida, a espera se mostraria injustificável diante das mais de duas horas de exibições programadas para aquela noite.

Momentos antes da sessão cinematográfica, com os equipamentos ainda em fase de ajuste na praça principal, a célebre Rua Dragão do Mar, carinhosamente conhecida como Broadway, estava completamente tomada por telões que transmitiam o aguardado confronto. Flamengo e Palmeiras travavam um embate tenso, que culminaria em um sofrido 0 a 0 no tempo normal da final da Libertadores. Em um dos estabelecimentos, uma placa na entrada anunciava a exigência de uma consumação mínima de R$ 100 para acessar o local e acompanhar a partida.

A estreita via, que evocava a atmosfera das ruelas iluminadas de Jericoacoara ou Pipa, evidentemente não possuía capacidade para acolher a imensa demanda de aficionados. Em meio à massa rubro-negra, um solitário torcedor vestia a camisa verde do Palmeiras. Nas mesas dos bares, o jogo era o único tópico de conversa entre garçons, jornalistas e cineastas presentes para o festival.

Impacto do Futebol na Cultura Local

Contudo, com o avanço da hora, profissionais da imprensa e o público em geral já se encontravam reunidos nas cadeiras da praça, preparados para prestigiar o festival que, por tantos anos, tem persistido como um evento a céu aberto, exposto no coração da cidade. "1 a 0 para o Flamengo!", anunciou Adriano Lima, coordenador geral da iniciativa, em tom de brincadeira, pouco antes do início da cerimônia, aludindo à situação singular.

Dentre os dez filmes apresentados na sessão, talvez os que mais capturaram a atenção do público foram justamente os trabalhos cearenses, que exploravam o mar como cenário principal. Destacam-se a animação "Almadia", de Mariana Medina, que ilustra a espera de um jangadeiro que não retorna da imensidão azul, e o documentário "Griôs do Litoral", de Ivina Oliveira, que registra os relatos de marisqueiras na costa de Paraipaba.

Sobre a forma como distintos segmentos do público acolhem a proposta do evento, Adriano Lima revela que a concepção do festival, desde o princípio, visava sua realização em espaços públicos. Ele explica:

Eu nunca quis que fosse um evento fechado em auditórios ou salas restritas. Ele pertence à praça, ao vento, às crianças e aos adultos. Alguns vão e voltam, alguns param só um pouco, outros ficam a noite inteira. É um fluxo natural. O público de hoje não é o mesmo de amanhã, porque Canoa recebe visitantes o tempo todo.

A Essência do Curta Canoa: Cinema ao Ar Livre

Assim como ocorreu com inúmeros eventos cinematográficos, o Curta Canoa não permaneceu incólume diante da pandemia de Covid-19. Após sua 13ª edição em 2019, o festival enfrentou desafios para retomar suas atividades presenciais, culminando em uma realização online no ano de 2021.

Adriano Lima detalha as dificuldades enfrentadas durante esse período:

O festival vive do debate e da convivência, e isso não existia trancado dentro de uma casa gravando tudo. Em 2025 fizemos uma 14ª edição muito pequena, em Aracati, e agora, depois de quatro anos, finalmente estamos voltando ao território original do festival.

Josiane Osório, presidente do Fórum Nacional dos Festivais e membro do júri nesta edição do Curta Canoa, argumenta que o Brasil possui um número de festivais de cinema inferior ao que sua dimensão continental justificaria. Nesse contexto, ela enaltece a importância do festival para a formação de uma audiência que talvez não esteja habituada à experiência cinematográfica. Ela salienta:

Aqui em Canoa Quebrada chama muita atenção o modo como o festival forma público. O festival toma a cidade, e isso é muito valioso.

Resiliência e Relevância dos Festivais de Cinema

Josiane Osório prossegue, abordando a complexidade da distribuição e a necessidade de apoio institucional:

A distribuição comercial nas salas sempre foi historicamente difícil no Brasil, e isso reforça ainda mais a necessidade de uma política sólida para os festivais. Há lugares do Brasil onde nenhuma sala de cinema vai chegar, mas que um festival pode.

Longe da formalidade que caracteriza outros eventos cearenses, como o Cine Ceará ou o For Rainbow, a dinâmica do Curta Canoa se configura como uma experiência singular. Para que um festival se integre verdadeiramente à cidade, ele precisa estar disposto a ser permeado por ela ? e, enquanto os filmes são exibidos na praça, até mesmo o público que transita ao redor, sem necessariamente fixar o olhar na tela, adquire relevância.

É precisamente por essa razão que, enquanto absorvemos as narrativas de luta das marisqueiras cearenses, ou a saga de um tamanduá-bandeira que tenta, sem sucesso, cruzar uma via congestionada em meio à floresta, somos também informados de que o Flamengo alcançou o título de tetracampeão da Copa Libertadores da América.

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